A Médica
Piedade Lobbo, com dois b’s, é professora e fundadora do Instituto alma, um centro de pesquisa e hospital dedicado a doentes com doenças neurológicas mais propriamente à especialização da alzheimer.
É neste instituto que dá entrada de urgência uma jovem em estado grave que autoadministrou um aborto, de forma a pôr fim a uma gravidez na adolescência indesejada. Devido ao seu estado a própria Piedade aceita interná-la e acompanhar as suas ultimas horas de vida.
Como os pais da jovem se encontram a regressar de uma viagem cabe à médica todas as decisões relativamente ao seu tratamento. É aí que é tomada a decisão que irá desenrolar toda a ação da peça.
Um padre católico, a pedido dos pais da jovem, dirige-se ao Instituto para lhe dar a extrema unção. A médica não aprova a ideia pois este contato irá tirar a morte calma e tranquila que a jovem merece. Começa uma discussão sobre se o padre entra ou não no quarto, em que se envolvem além dos principais intervenientes todo um núcleo hospitalar.
No final, o padre não entra, a jovem acaba por falecer e as gravações áudio desta discussão acaba por cair na internet.
A partir daqui é um sem número de criticas ferozes, grupos que se insurgem contra ambos os lados, culpas atribuídas a inocentes. Instala-se o caos e a opinião desta médica julgada, quer por cibernautas entusiasmados, pela própria equipa hospitalar, pelo próprio poder político e por grupos minoritários que a culpam pelo ocorrido.
A luta ideológica e de crenças religiosas está marcada veemente e não deixa de ser uma luta entre religião e ciência.
Mas além desta são muitas as questões que esta peça levanta, na minha perspetiva a principal luta é o gigantesco domínio do politicamente correto e das minorias, das lutas do racismo exagerado, da homossexualidade, do poder feminino.
Tudo é posto em causa nas escolhas que os riquíssimos personagens vão fazendo.
Será uma diretora escolhida por ser mulher? Por ser judia? O padre terá sido afastado porque é católico? Porque é negro? A jovem é esmurrada porque é mulher Trans? O homem é afastado do cargo porque é homem?
São estas mil perguntas que voam nas nossas cabeças quando tudo poderia ser mais simples e sem má intenção, mas o problema é que um ser humano é um ser humano, é mesquinho, preconceituoso, tem ambições, desejos e sonhos.
Mais do que uma luta entre a religião e a ciência, A Médica é uma luta entre Pessoas.
Esta peça encenada brilhantemente por Ricardo Neves-Neves é uma adaptação contemporânea de Robert Icke, baseado no original Professor Bernhardi de Arthur Schnitzler, que desafia o espectador a interpretar o personagem face ao ator que o desempenha. Ou seja, nós, publico, ao vermos um ator homem preto, não significa que o seu personagem não seja uma mulher branca judia. É um desafio para todos nós!
Uma peça rica, interessante e onde todos os personagens são uma caixa de surpresas e revestidos tal como a cebola com inúmeras camadas. Por exemplo a médica é mulher, é branca, é judia, é lésbica, é sofrida, é determinada, é corajosa, é saudosista, mas acima de tudo é uma médica.
Esta médica é uma atriz soberba Custódia Gallego que mostra em palco porque é uma das melhores atrizes do nosso país.
Seria injusto só falar da Custódia quando todo o elenco está extraordinário. Vão muito bem nos seus personagens: Adriano Luz, Eduarda Arriaga, Igor Regalla, Inês Castel-Branco, José Leite, Luciana Balby, Pedro Laginha, Rita Cabaço, Sandra Faleiro e Vera Cruz. E por fim quero dar uma palavra de agradecimento a uma atriz que não sendo das minhas escolhas preferidas rendeu-me ao seu excelente trabalho: Maria José Paschoal.